segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CAPÍTULO 11

Ela permaneceu imóvel. Então, o estranho era amigo do Walker? Mas então por que diabos ele a estava espionando? Será que o professor tinha algo a ver com isso? E por que se sentia tão estranha quando aquele rapaz estava por perto? Nada fazia sentido.

Valerie olhou o relógio que agora apontava 6:30. Será que ela estava em casa àquela hora? Bem, não custava nada tentar, não é? Correu para a cabine telefônica do outro lado e discou o número que, de tanto olhar para o cartão durante a semana, já tinha decorado. Uma voz tranquila e suave a atendeu. A jovem suspirou aliviada ao ouvir a mulher dizer que não haveria problema em recebê-la em sua casa. A garota o endereço e correu para não não perder o ônibus que a levaria até a Srta Mullen.

O bairro em que a psicóloga morava divergia completamente do qual Valerie morava. A atmosfera era agradável, as crianças brincavam nas ruas inocentementes enquanto sua mães conversavam à porta de suas casas. Os jardins extremamente bem cuidados denunciavam que ali viviam pessoas com certo poder aquisitivo.

A garota avistou no final da rua, a casa amarela que a Srta Mullen descrevera. A ansiedade de Valerie em alcançá-la a fez apressar o passo.
Tocou a campainha e aguardou. Uma mulher bonita, beirando os seus 35 atendeu a porta. Era alta, tinha pele de porcelana, bonitos olhos verdes. Os longos cabelos loiros que caíam sobre seus ombros lhe davam a aparência de um anjo. Ou talvez essa fosse apenas a impressão que Valerie tinha dela.

- Pensei que fosse demorar mais, querida. - falou suavemente com um sorriso calmo no rosto.
- Desculpa pelo horário, eu...
-Não se preocupe!Entre - interrompeu-a Elizabeth Mullen.

Com passos vacilantes, Valerie entrou na casa e de imediato sentiu como se tivesse adentrando em um desses cenários de seriado da Warner. A casa da Srta Mullen era perfeitamente arrumada e bem decorada. Nada tão grandioso ou caro, mas a harmonização em que os móveis e objetos estavam dispostos davam ao ambiente uma sensação de aconchego e tranquilidade.

Um cheiro de temperos invadiu-lhe as narinas e seu estômago reclamou audivelmente.

-Quer ficar para o jantar?-sorriu solenemente a psicóloga.
Valerie corou e apressou-se a responder:
-Não, obrigada. Bem, serei o mais breve possível. - respirou e continuou- E o vi hoje novamente.
-Quem? O rapaz do capuz?
-Sim e descobri que ele e o professor Walker são amigos.
Um ar preocupado e confuso perspassou o rosto da psicóloga e Valerie sabia porquê.

Quando decidira procurar sua ajuda há mais ou menos 1 semana, estava certa de que estava realmente louca. Talvez tivesse sido justamente por esse motivo que decidiu entregar os pontos e fazer aquela consulta. No primeiro dia se sentia extremamente desconfortável com aquelas perguntas sobre sua vida. Jamais se abrira com ninguém, quanto mais com uma estranha que anotava tudo que era dito. Já a partir do segundo dia, as coisas começaram a mudar. A Srta Mullen nada lhe perguntou e sim começou a falar sobre seus próprios problemas. Falou da sua vida, de quando perdera os pais em um trágico assalto, falou do noivo que ainda estava com problemas para sair da Finlândia, contou seus medos. A partir daí, Valerie já não a via mais como uma simples psicóloga e sim como uma cúmplice. Uma cúmplice dos seus sentimentos.
Decidiu então falar sobre o tal rapaz do capuz. Elizabeth então lhe disse que talvez ele nem estivesse olhando diretamente para ela ou que aquela aparição fosse apenas outro truque da sua mente, afinal acabara de ver a si mesma toda ensaguentada! Ela acreditara nesta última teoria até então.

No entanto, naquela tarde, tudo simplesmente desmoronou. Sentiu-se perdida! Tudo era de fato real! Sentiu medo e viu esse medo tomar o olhar de Elizabeth.

- Bem, posso perguntar ao Kevin quem...
-Não!- não, ela não podia perguntar nada a ele! Não agora que tudo parecia correr bem entre os dois. Não queria que ele a visse como uma psicótica.- Acho melhor,hmm, investigarmos primeiro. Talvez ele estivesse mesmo olhando para outra pessoa, quem sabe?!- ou não, pensou.
-É..Talvez seja isso mesmo.

A Srta Mullen parecia ainda preocupada. Preocupada com um problema que nem era dela! Era por isso que Valerie não gostava de falar sobre seus problemas com os outros. Odiava que se preocupassem, ou se ocupassem com algo que devia ser solucionado unicamente por ela!
Levantou-se de sobressalto e falou:
-Acho melhor ir andando!

A expressão da Srta Mullen se desanuviou e novamente aquela expressão serena apareceu em seu rosto:
- Fique para o jantar! Estou fazendo carne assada com batatas!
- Mas Srta Mullen, eu...
- Beth. Pode me chamar de Beth! Vamos lá, estou sozinha e estou cozinhando comida para um batalhão!

Valerie pensou na proposta,lembrou que há muito não comia algo que valesse a pena e decidiu aceitar o convite.

Naquela noite, pela primeira vez em sua vida, chegaria perto de saber o que era um jantar em família.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

CAPÍTULO 10

As coisas com a matemática não estavam bem e até mesmo Kevin que sempre parecera calmo e paciente estava começando a demonstrar um pouco sua irritação. Entretanto laços de afeição estavam sendo formados entre os dois.

- Não, Valerie! Eu já não te expliquei que a parte real tanto pode ser zero quanto pode ser qualquer outro número?
- Isso é muito complexo pra mim! - rosnou a garota apertando os dentes.
- O nome do assunto é "Números complexos" mas se você tentar ao menos entender vai ver que não é tão díficil assim!
- Mas eles são muito COMPLEXOS!!
- Não são se você se concentrar!
- É claro que tudo isso é fácil pra você! Você é o professor!

Kevin não pôde conter o riso. Pobre garota, mal sabia ela que a coisa mais díficil para ele durante essas aulas era se concentrar em algo, especialmente quando ela ficava com essa cara bravinha. Valerie assim ficava terrivelmente linda e encantadora.

- Por que você tá rindo?
- Nada não! Vamos continuar amanhã, está bem?
- Que tal se a gente não continuar nunca?
- Boa tentativa, garota.
- Vou fazer igual ao fedorento do Gordon. Ele nunca mais apareceu.
- Falando nisso, você sabe o que foi que aconteceu com ele? Também não tive mais notícias.
- Não faço a menor ideia. Deve ter se metido em alguma encrenca.- disse a garota saindo da sala e se dirigindo às escadas.
- Talvez.

Ficar a sós com Valerie era algo que ele não havia planejado, mas por outro lado, não podia deixar de agradecer Gordon por sabe-se lá porquê.
-Bem, vamos nos apressar. Já tá anoitecendo e tem uma pessoa me esperando lá no estacionamento.

Estavam no meio da escada que dava acesso ao térreo quando Valerie parou abruptamente.
- Pessoa?
Era impressão dele ou as bochechas dela haviam corado?
- Não sabia que professores de matemática tinham tempo para esse tipo de coisa.

O que ela queria dizer exatamente? E por que adotara aquela voz de désdem?

-Desculpa, não entendi.
- Nada não, deixa pra lá.- disse a garota descendo os degraus que faltavam para o corredor.

O perfume dela era algo realmente hipnotizador.

-Não sei a que se refere, mas a pessoa é apenas um amigo. - Por que diabos estava dando explicações a ela?

Valerie explodiu em risos:
- Eu bem imaginava que seria algo assim!
- Por que?
- Bem, a sra Summers era uma solteirona! Será que é o destino de todos os professores de matemática? - falou com voz dramática.

Ao ouvir essas palavras, uma vontade enorme cresceu em Kevin. Uma vontade de empurrar a menina contra a parede e mostrar a ela quem é que seria o solteirão, mas a sua consciência lhe alertou que era melhor conter seus impulsos. Tentou então moldar um sorriso mas o máximo que conseguiu obter foi algo semelhante a alguém que está com a boca torta devido a uma terrível dor de dente.

Por alguns instantes ficaram em silêncio enquanto o sorriso ia morrendo nos lábios de Valerie. Em seu estômago, Kevin sentiu como se um buraco enorme estivesse se abrindo e um tremor percorreu seu corpo, as mãos suadas apertaram os livros que segurava e ele nao pode deixar de perceber a sutil aproximação de Valerie.

De repente, um barulho de carteiras caindo veio de uma das salas no final do corredor. Com certeza era o Sr Derek, o zelador, limpando as últimas salas.

Os dois seguiram rápido e silenciosamente até a entrada principal da escola e o professor encontrou com certa dificuldade a voz que ficara presa até então e murmurou um rouco "boa noite".

Seu amigo estava do lado de fora do carro, um BMW X1 branco, com um sorriso estampado no rosto.

-Finalmente! Pensei que fosse te esperar a noite toda, Walker!
-Desculpa, Dave. Se importa se formos logo?
-Claro que não! Tenho muitas novidades para te contar especialmente sobre sua amiga Candence.- falou Dave lançando um olhar furtivo para Valerie e em seguida entrando no carro.
Uma bola se formou na garganta de Kevin ao ouvir aquele nome.
- Ela não é minha amiga.

E sem ao menos dar uma última olhada para a garota parada no topo da escada bateu a porta. Se o tivesse feito perceberia o choque, o pânico e a palidez que agora tomava conta do seu rosto.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

CAPÍTULO 9

O vômito saiu amarelo e amargo já que não comia há horas. O corpo tremia descontroladamente e a camiseta branca estava ensopada de suor. No espelho do banheiro estava refletida a figura pálida e fantasmagórica de Valerie.
O que tinha sido aquilo? Passou as mãos em suas costas mais uma vez apenas para ter certeza de que tudo tinha sido realmente fruto da sua imaginação. Não havia nada além do suor que escorria, não havia nenhum vestígio de sangue, ferimento. Nada.

Cinco minutos depois, resolveu sair do banheiro. Olhou a parede do corredor. Tudo estava como sempre foi. A porta do seu quarto estava logo à direita. Andou lentamente até ela e olhou para a cama. Apenas as roupas de cama estavam em cima dela e estavam exatamente como ela as havia deixado pela manhã.

Talvez estivesse apenas cansada demais e caiu em algum truque criado pela sua mente. Contudo, uma angústia massacrante havia se instalado em seu peito desde a estranha visão.

A garota em sua cama não era uma estranha, nem poderia ser algum espírito perdido. Ela havia visto a si própria!

Seria aquilo algum tipo de premonição?
Baboseira! Nunca acreditou nesse tipo de coisa. Premonições, horóscopo, tarô, numerologia,angeologia, tudo não passa de charlatanismo e apenas pessoas idiotas caem nesse tipo de truque.
Ela sempre fora e sempre seria cética e não seria uma estúpida ilusão que mudaria isso.

Sentindo-se um pouco melhor, abriu as cortinas para que pudesse ver a chuva cair. Adorava a chuva pois por algum motivo ela lhe acalmava. Poderia passar horas olhando as nuvens negras que pairavam sobre a cidade.
O jogo de cores dos guardas chuva nas ruas a fascinava. Observava agora uma mulher que passava com um guarda chuva enorme e vermelho. Um vermelho vivo. Vermelho sangue. A imagem de suas costas sangrando abundantemente voltou novamente aos seus olhos. Desviou o olhar. Então algo, na verdade alguém, chamou sua atenção.

Do outro lado da rua, havia um rapaz parado olhando fixamente para cima. Um sujeito esquisito que parecia não se importar com a grande quantidade de água que caia sobre o seu corpo.Será que ele não tinha percebido que aquele capuz preto o deixava assustador? Ou será que ele estava indo para alguma daquelas convenções estranhas de cosplays?

O fato era que, por pura coincidência o olhar do sujeito estava fixo na janela de Valerie. Poderia ser algum conhecido da escola. Se ao menos ele tirasse aquele capuz idiota, ela poderia reconhecer.

De repente, como se tivesse lido o pensamento dela, o sujeito abaixou o capuz e lhe deu um sorriso enviesado e vitorioso.
Valerie sentiu como se pedras de gelo estivessem descendo até seu estômago.Sentiu medo.
Aquele rosto não lhe era estranho, pelo contrário, ela sabia que o conhecia. E conhecia muito bem. Só não lembrava exatamente de onde e nem qual era o seu nome.
Desesperada fechou a cortina e correu para para verificar se a porta principal estava realmente trancada.

Sua vida estava mesmo conturbada e pertubadora. Paranóia, visões, lembranças que não sabia de onde vinham, medo, paixão por um completo estranho, tudo isso lhe dava a impressão de estar se afogando em um oceano desconhecido dentro de si mesma.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

CAPÍTULO 8

-Mãe? - chamou ao perceber o silêncio incomum no apartamento.

"Fui passar o final de semana na casa do Jeffrey" dizia o bilhete sobre a mesa de centro.

Ótimo!Realmente precisava ficar sozinha!
Afundou-se no sofá fedorento e começou a fazer mentalmente um resumo da última semana. Talvez fosse hora de procurar a Srta Mullen, a psicóloga da escola. O que diabos estava acontecendo com ela? Sentia-se observada o tempo todo. Sentia como se milhares de câmeras escondidas estivessem ao seu redor e que a qualquer momento, se por algum vacilo não ficasse atenta a esses olhos invisíveis, a escuridão poderia tomar conta de si.

Escuridão...Quantas vezes já não esteve perdida ou até mesmo confortada pela sua própria escuridão? Antes, queria permanecer nela o resto de sua miserável vida. Mas agora tinha medo.

E como se não bastasse toda a sua paranóia, ainda tinha que aguentar as aulas particulares de matemática com o imbecil do Gordon como companheiro... E o Walker...

Maldito Walker! Ele era a razão de todo o seu conflito, de toda essa confusão de sentimentos. Estar perto dele era tudo o que ela não precisava! Não precisava daquele olhar de piedade e súplica que ele lhe dava! Não precisava daquele contato tão próximo que estavam tendo nem daquela atenção especial que parecia ser dirigida somente à ela!

Estava apaixonada! Apaixonada por alguém que mal conhecia! Apaixonada por alguém tão impossível, tão proibido!

Sentiu os olhos úmidos, uma dor no peito! Não podia mais controlar! Deixou as lágrimas caírem soltas pelo seu rosto. Há quanto tempo isso não acontecia? Achou que simplesmente havia esquecido o que era chorar, e agora estava ali, sentindo-se frágil, vulnerável e terrivelmente sozinha!

A chuva fustigava as janelas do apartamento e Valerie sentiu um vento gélido percorrer sua espinha então ouviu um som estranho vindo do seu quarto.
Secou as lágrimas com o dorso da mão direita e levantando-se cuidadosamente afim de não fazer qualquer barulho caminhou até o meio do corredor que ligava a sala aos quartos.

Era uma espécie de lamúria. Mas quem poderia estar lá?

Lentamente empurrou a porta do quarto e a visão que teve lhe causou pânico.

Em sua cama havia uma garota nua sentada de costas para a porta. O cabelo preto e longo estava sobre os seus ombros e dois cortes enormes,um de cada lado, sangravam em suas costas.

Valerie tentou segurar o grito, mas ainda assim sua voz pôde ser ouvida.
A garota então virou a cabeça em sua direção e seus olhos extremamente azuis focalizaram a outra encostada na parede do corredor.

Era como se um espelho estivesse entre as duas. Os mesmos olhos. O mesmo rosto.

A garota no quarto era a própria Valerie que agora sentia o sangue quente descer em suas costas e manchar a parede.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

CAPÍTULO 7

- O senhor fará isso, estou certa professor Walker?
- Claro que sim Sra Davidson.

A sra Davidson era a diretora. Uma mulher arrogante, estressada e que sempre andava com o nariz empinado. Muitos alunos a apelidaram maldosamente de "Cheira bosta" pois era essa a impressão que a expressão em seu rosto passava. A diretora Davidson parecia estar constantemente sentindo algum cheiro ruim principalmente quando algo a desagradava e sua narinas, que já eram enormes, se abriam ainda mais.
Kevin analisava essa figura esquisita sentada à sua frente. Os alunos realmente são criaturas fascinantes. Quem no mundo iria ter a capacidade de associar aquela mulher à Vovó da Família Addams? E o pior, eles estavam absolutamente corretos. A diretora era de fato, assustadora.

- Os alunos do último ano são, como posso dizer, lentos. Se é que o senhor me entende. Em especial Valerie Smith e Gregory Gordon. Pude observar que os alunos, por mais ignorantes que sejam, conseguiram ao final deste trimestre obter algum êxito em sua matéria - pontuava com voz de desdém passando os dedos esqueléticos na lista de notas- exceto esses dois. Entenda minha situação, nos últimos 2 anos, nossos alunos conseguiram vagas em excelentes universidades incluindo a NYU, o que nos dá algum tipo de credibilidade, não é mesmo? No entanto, não podemos esperar muito dos formandos deste ano.
- Sra Davidson, eu farei o possível para ajudá-los, prometo.
- Não! Não, não e não! Nada de promessas! E eu não quero que o senhor faça o possível. O senhor fará o impossível também! Eu quero esse tipo de gente o mais longe possível da minha escola, mas é claro, não quero estragar a reputação que conseguimos obter nos últimos anos.

Kevin segurou a língua. "Minha escola"? Até onde ele sabia, escolas públicas pertecem ao poder público!

- Estamos entendidos?
- Hã? Claro! Entendi!
- Agora se me der licença, tenho outros assuntos a tratar. Ah, e bata a porta ao sair.
- Claro! Com licença!

Assim que ouviu o click da maçaneta atrás de si, Kevin sentiu o chão desaparecer sob seus pés.
Olhou ao redor e visualizou o banheiro dos professores, o único lugar que se assemelhava a um refúgio.

3 meses! 3 meses se passaram desde que a vira pela primeira vez! E ainda assim, sua presença o perturbava. No começo sentia raiva, mas agora sentia desejo. Como poderia encarar Valerie Smith depois dos sonhos que vinha tendo? Claro que tudo não passava de fruto da sua imaginação, mas ainda assim eles pareciam tão reais. Podia sentir o corpo quente e delicado sob suas mãos. Ouvia os sussurros em seu ouvido. Podia sentir a culpa que emanava de Valerie misturada com desejo e medo.

Não havia como não se sentir abalado. A garota era perfeita em termos de estética. E como se isso não bastasse ela possuia uma espécie de magnetismo natural sobre ele. Sentia como se a conhecesse e toda vez que se olhavam ou se esbarravam sem querer pelos corredores, ele sentia uma necessidade imensa de tomá-la em seus braços e simplesmente fugir!Era estranho!

Aliás seu mundo e suas concepções haviam ficado estranhos.Desde que a conhecera passou a se sentir um completo idiota por ter feito tantas piadas a respeito das crenças de sua mãe.

Será que de fato,ela estava correta? Será que existe mesmo essa coisa de vidas passadas?

sexta-feira, 17 de junho de 2011

CAPÍTULO 6

Sentiu a brisa fresca em seu rosto. Tinha cheiro de terra molhada,de água e de folhas secas. Tinha gosto de outono e carregava a paz que somente o Éden parecia ter.
Mas não demoraria hoje. Só precisava informá-lo que não mais poderiam se ver. Se "eles" soubessem que esses encontros existiam, sem dúvida iriam bani-lá. Não aguentaria viver como aqueles outros, aquela corja. Precisava por fim nisso tudo hoje!

Porém, seus pensamentos foram rapidamente esquecidos quando sentiu sua presença forte e encantadora. Podia sentir que aqueles olhos negros estavam fixos nela. Forçou sua visão e pôde ver que aquela silhueta alta e atlética que vinha em sua direção subitamente parou.
Sentiu desejo.
Não que soubesse o real significado dessa palavra, mas sabia que algo dentro de si gritava, se contorcia.

Precisava sair dali urgentemente antes que fosse tarde demais. Tarde demais para ambos. Mas simplesmente não conseguia se mover. Estava paralisada por causa daquela estranha sensação.

O rapaz aproximou-se um pouco mais e, embora permanecesse ainda sob as sombras dos pinheiros ela sabia que ele encarava a nudez de seu corpo.
Virou-se sentindo constrangida e tentou cobrir com os braços o máximo que pôde de seu corpo. Estava a ponto de chorar quando sentiu aquelas mãos mornas a acalentarem.

"Não se preocupe! Não farei nada que não queira!"

Nada que não queira. Será que realmente não queria nada?

Fechou os olhos e se deixou afundar nos braços e no abraço do rapaz.
Não podia negar. Estava claro que queria sentir seu corpo no dela.

Sentiu os lábios macios beijarem seu pescoço, depois sua nuca e finalmente sua orelha.

"Eu te amo, meu anjo!"- sussurrou naquela voz grave e suave.

Ela congelou. Amor? Não! Isso jamais poderia ser possível! Viera até aqui justamente para dizer que nunca mais se veriam! Não podia deixar que aquilo continuasse.
Cuidadosamente retirou as mãos que agora seguravam sua cintura e atrevou-se finalmente a olhar aquele rosto...

Aquele rosto...Aqueles olhos negros...Aquele sorriso...

Valerie acordou assustada! A testa estava molhada de suor. Tremia...

- Já estava indo te acordar, mocinha. Já estamos fechando.- disse a bibliotecária retirando os livros que estavam na mesa ao lado.
- Me..me desculpa...eu...
-Tudo bem! Raramente vejo alguém que consiga sair daqui sem antes tirar uma sonequinha. - a moça falou sorrindo de forma doce.
- Eu te ajudo! É o mínimo que posso fazer.

Forçando a se levantar, Valerie pegou os livros de sua mesa e os levou até as estantes de onde sairam. Voltou até a mesa, pegou a mochila e observou pela janela a noite que caia lentamente.

Que tipo de sonho maluco tinha sido aquele? Onde era aquele lugar bonito? Parecia ser algum lugar na Europa.
Quem eram "eles"?
Por que estava...nua?

E o pior, o que diabos Kevin Walker fazia no seu sonho?

sábado, 11 de junho de 2011

CAPÍTULO 5

- Valerie? Valerie você tá me ouvindo?
Ouviu a voz irritante de Amber a chamar.
-Hã?
- Eu não acredito! Já tem 2 semanas que o Walker tá dando aula e você ainda não acostumou com a beleza estonteante dele?- e olhou o professor que descia a escada principal em direção ao estacionamento.
- Quem? Eu não estava olhando o idiota do Walker!
-Sei...

E era verdade, não estava! Não sabia bem ao certo o que estivera olhando, ou tentando olhar. O fato é que nas duas últimas semanas tinha se tornado uma paranóica. A todo momento sentia que estava sendo observada.
Já não bastasse as noites mal dormidas ouvindo as orgias da vadia da sua mãe, agora essa constante sensação de perseguição vinha também lhe atormentar.

As roupas estavam ficando largas. Estava perdendo peso assustadoramente. Mas por mais que tentasse pensar em comida , simplesmente não tinha fome. E quando forçava-se a empurrar algo guela abaixo, podia contar com o vômito depois.

Olhou para suas mãos. As unhas que sempre foram seu orgulho, compridas e sempre bem feitas, agora não passavam de tocos com um esmalte preto descascado. Tudo culpa dessa maldita e insistente aflição.

Não conseguia mais se concentrar nos estudos. Nem mesmo a literatura,sua matéria favorita, lhe interessava mais. Matemática era um martirio, não só porque era sua pior matéria mas também porque não conseguia olhar a capa do livro sem se lembrar daquele maldito professor!

Será que estava obsecada por aquele cara? Será que tudo o que estava sentindo não era simplesmente o seu subconsciente refletindo a culpa por se sentir atraída por um professor?
Não! Claro que não! Quem disse que se sentia atraída por aquele imbecil?

Estava a uma quadra de casa quando resolveu mudar o rumo.

- Pra onde você tá indo?
Só então se lembrou que Amber ainda estava com ela.
- Vou à biblioteca. Não consigo estudar em casa.Quem sabe, num ambiente próprio pra estudos eu tenha algum sucesso.
-Credo! Aquele lugar me lembra minha avó. Velho, cheirando a mofo...

Valerie chegou à seguinte conclusão: Amber com certeza nunca tinha parado pra cheirar aquele suéter horroroso! Nem a ala com os livros mais antigos superavam o cheiro de múmia daquela garota.

-A gente se vê amanhã então,Amber.
- Tudo bem! Tchau! Ah, e vê se tira o Walker da cabeça! - ela deu uma piscadinha e uma risadinha sarcástica e se virou andando com aquele jeito "serelepe" irritante.

"Vaca" pensou Valerie observando Amber se afastar.

Na biblioteca pegou o máximo de livros que pôde sobre História e Literatura. Isso manteria seu foco nos estudos. Nada de cálculo por hoje!
Estudou por alguns minutos, ou horas, não sabia bem, quando sentiu os olhos pesarem. Podia abaixar um pouco a cabeça e descansar. Sim, claro que podia. A bibliotecária a acordaria caso caísse no sono.

Valerie aconchegou a testa no braço direito e afundou na escuridão. Sentiu seu corpo ceder ao cansaço.

Mas não iria descansar, o que lhe aguardava talvez ainda lhe tirasse o sono de muitas noites.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

CAPÍTULO 4

Uma sensação anormal tomou conta de Kevin. Não sabia o porquê, mas havia algo estranho naqueles olhos azuis. Bastou um rápido cruzar de olhos para suas entranhas revirarem.
Raiva! Sentia uma raiva descomunal por aquela garota!
Mas como podia ser isso possível?
Não lembrava de tê-la vista jamais em sua vida, mas estava claro que sua presença despertava nele os piores sentimentos.

Algumas risadas estridentes o despertaram de seu transe e só então se deu conta de que estava diante de cerca de 40 alunos.
Tentou disfarçar o desconforto que sentia na presença daquela garota. Precisava disfarçar afinal teria que lidar com ela até o final do semestre.
Concentrou no que havia planejado para a aula e alguns minutos depois sentiu que o nervosismo inicial o abandonara.

Esse semestre seria sem sombra de dúvida, um semestre memorável.

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Era óbvio que todas as garotas estavam encantadas por aquele professor playboyzinho! Era bonito, demais até, mas fora isso não havia nada de interessante naquele sujeitinho! Sinceramente achava que a Sra Summers ensinava melhor. Pelo menos conseguia se concentrar no que a velha estava dizendo. Ela não tinha essa voz grave, suave, envolvente e nem essa boca perfeitamente desenhada nem... Mas no que diabos estava pensando!? Essa era mais uma aula de matemática e esse era mais um professor insuportável com quem teria que conviver até o final do semestre!

- Eu achei a aula do Sr Walker perfeita, não concorda?- perguntou Amber com aquela cara de menina sonhadora enquanto colocava o canudo no suco de caixinha.

Não! Não concordava!

- Ah...Na verdade continuo sem entender nada de matemática.
- Ih querida, então eu acho que o problema está em você.-desdenhou com o canudo na boca.

"O problema está nesse seu suéter fedorento e nesse bafo de fossa que você tem, querida!"

- É...Acho que você tem razão!- disse Valerie a contragosto abocanhando uma maçã.
- Você ouviu o que o Sr Walker disse não é? Aquele que estiver com as notas muito abaixo da média terá aulas extras à tarde! Eu não me importaria em ter aulas extras com aquele homem, mas nem o gostoso do Walker me fará perder horas extras estudando matemática!
-Vou me esforçar pra não precisar dessas aulas também.-Valerie olhou para os lados e então sussurrou - Sei lá...esse cara me faz...sentir estranha.
- Claro que faz! Quero ver qual foi a menina que não se sentiu excitada com aquele deus dando aula!

Não era excitação! Valerie sentia algo bem diferente! Era medo e ao mesmo tempo ódio. Mas não podia negar, sentia uma forte atração por Kevin Walker. Algo que nunca sentiu antes por nenhum homem.
No entanto, sabia que isso não significava que o que sentia era algo bom. Sentia que nessa atração havia algo...diabólico.

Valerie olhava fixamente a maçã em sua mão,sem de fato observá-la, tentando entender o porquê de tudo aquilo quando sentiu um ar frio e congelante que a fez tremer. Olhou para os outros alunos no refeitório e todos continuavam concentrados nas suas refeições, ou nas conversas alheias,como sempre. Amber continuava com seu mangá aberto e tagarelando sobre sei lá o quê. Ninguém parecia sentir o corpo enrijecer ou qualquer outra sensação de mal estar.
Apenas Valerie sentia que de alguma forma estava sendo observada.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

CAPÍTULO 3

A caminhada até a escola não era tão longa. A vantagem era que ela não precisava acordar tão cedo como a maioria dos alunos. Além disso, chegava na escola ainda cheirando a sabonete diferentemente de muitos que fediam a suor logo no começo da manhã. Já a desvantagem era óbvia. Chegava mais cedo no seu inferno particular.

Valerie avistou a Summit School. Visualmente era como quase todas as outras escolas públicas e não possuia qualquer tipo de atrativo. Pelo contrário, as duas gárgulas que ficavam no topo das duas pilatras principais da entrada causavam repulsa a qualquer um que passasse 2 minutos as observando.

A garota respirou profundamente, fechou os olhos e começou a recitar seu mantra matinal mentalmente (xingar todos os funcionários, professores e alunos)enquanto se aproximava da entrada, que a esta hora, estava apinhada de alunos. Os jogadores de basquete e as líderes de torcida ocupavam a parte superior da escada principal e como sempre zombavam de todos os que passavam. Os nerds por sua vez, andavam em bandos discutindo sobre cartas de RPG e Star Wars enquanto os outros, os emos, os góticos,os esquisitões, os nada atraentes,como ela, estavam ocupados com outros assuntos.

Valerie adoraria continuar mentalizando seu mantra e desdenhando cada um que cruzasse seu caminho mas foi interrompida por uma voz estridente que lhe furou os tímpanos.

- Já tá sabendo?

Não precisava nem virar o rosto para identificar de quem era aquela voz. Amber Miller, sua quase única amiga.
O cheiro de mofo que exalava do suéter que Amber usava desde a 5ª série sempre anunciava sua chegada. Será que alguma vez ela já experimentara jogar aquilo dentro de uma lavadora? Sem falar do bafo, que estava longe de ser agradável. Talvez fosse culpa daquele aparelho móvel horroroso ou simplesmente falta de higiene bucal mesmo. Sua voz estridente causava tanto impacto quanto seus cabelos curtos metamórficos. Nesta semana Amber resolveu adotar a cor verde. Mal sabia ela que aquele cabelo se assemelhava perfeitamente àquela grama bem cuidada que os ricos costumavam cultivar nos jardins em frente às suas casas.

- Se já estou sabendo do quê?
Amber arregalou os olhos castanhos (que normalmente já eram esbugalhados) e exclamou com ar incrédulo:

- Nossa! Como você é desinformada!
- Sim, sou mesmo,obrigada! E se você vai ficar fazendo esse mistério todo pra contar sei lá o que, eu vou dar o fora!
Valerie subiu os degraus, passou pelo grupinho nauseante das líderes de torcida e já estava quase atravessando o portão principal quando Amber gritou:

- A Sra. Smith caiu fora!
Valerie virou-se abruptamente:
- Como é? A Sra Summers? Como assim? O que houve?
- Ah, aí você já está querendo saber o que nem eu sei! Só ouvi de fontes seguras - ela frisou bem essas duas últimas palavras- que ela saiu.

Enquanto avançavam pelos corredores até os armários, Valerie percebeu que muitos se afastavam de Amber e olhavam seu cabelo como se a cor dele fosse um insulto.

- Ótimo! Será que agora teremos aula com o Sr. Connor?
- Qual é! O Sr. Connor mal consegue se apoiar em pé!
- Isso é...
- Bem, eu espero que seja um professor. Um professor super gato e gostoso!- Amber falou com os olhos cintilantes- E que nos deixe colar!- Acrescentou.
- Amber, acorda! Você já ouviu alguém falar que teve um professor gostoso de matemática?
- Ah, sei lá! Sonhar não é proibido, né?

Valerie revirou os olhos, mas internamente sonhava em não ter uma outra professora como a Sra Summers. Aquela vaca velha, gorda, megera e mal-comida. Aquela mulher era terrível...

De repente, enquanto ainda estava absorta em seus pensamentos sobre a Sra Smith, ouviu um audível e pausado "Oh,meu Deus" pronunciado por Amber. Então olhou para o homem que estava arrumando alguns papéis em cima da mesa.Ele era...perfeito! O professor virou-se e as olhos também.

Por uma fração de segundo os olhos negros dele encontraram os de Valerie. Aquela escuridão lhe causou náuseas.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

CAPÍTULO 2

Estava preocupado. Não, aquilo não era preocupação. Era medo. Muito medo.
Jamais havia ministrado aulas em uma escola. O mais próximo que chegou a isso foi na época da faculdade, quando ajudava 3 ou 4 colegas no grupo de estudos.
Como reagiria quando aquela multidão de rostos ansiosos estivessem o encarando, esperando qualquer indício de nervosismo ou de falta de conhecimento?
Como se portaria quando algum, ou alguns...ou vários alunos lhe fizessem alguma piada ou lhe dirigissem alguma ofensa?
Não! Aquilo nunca daria certo! Iria perder o controle da situação! Arruinaria sua carreira! Sua tão sonhada e jovem carreira! Não estava pronto!

Kevin Walker olhava seu rosto pálido refletido no espelho do banheiro. Aqueles olhos negros como a noite o encaravam de volta. Um filete de sangue escorria da parte inferior de seu queixo onde segundos antes passara o barbeador barato e gasto. O cabelo castanho estava desgrenhado e formava um redemoinho como se representasse o turbilhão de pensamentos que o aflingia.
Os músculos bem definidos estavam tensos e suas mãos molhadas tremiam.

O alarme do rádio-relógio soou. Eram 8 horas da manhã. Ainda! Estava acordado desde às 6:30! Já havia levado Ben para passear, havia comido seu cereal fora da validade e murcho no café da manhã, havia passado horas (ou lhe pareceram isso pelo menos) debaixo do chuveiro e estava terminando de se barbear. Como ainda poderia ser 8 horas da manhã?!

Pressionou o papel higiênico em cima do corte e arrastou-se para o quarto.
* "This is the end.Beautiful friend.This is the end.My only friend, the end".

Realmente essa era uma música perfeita para começar um dia como o que estava começando! Kevin anotou mentalmente " Mudar de estação de rádio hoje à noite."

Vestiu a única calça social que localizou no guarda-roupa (não lembrava nem se tinha alguma outra), abotoou a blusa xadrez que ganhara de sua mãe no seu último aniversário e calçou seus mocassins. Deu uma única olhada no espelho na porta do guarda-roupa.
Realmente parecia um professor de matemática!
Aquela visão lhe deu algum ânimo.

Já estava quase na porta quando avistou em cima da mesa de canto um livro. Um livro volumoso com capa preta o qual nunca mais lera desde que saiu da casa de seus pais. Não era do seu feitio recorrer a bíblia, mas essa era uma situação emergencial.
Abriu o livro dos salmos.

Alguns poucos minutos depois chegou a uma conclusão. Era por isso que não lia mais esse tipo de coisa. Não tinha tempo e nem gostava de fazer interpretações. Odiava essa linguagem rebuscada e cheia de metáforas.

Respirou fundo, deixou a bíblia no sofá e saiu.

Ao fechar a porta pôde ouvir sons de papéis sendo rasgados enquanto Ben dava um último latido.



* The doors - The end

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CAPÍTULO 1

Eram 8 horas da manhã e o despertador tocava desesperado.

Valerie lutava contra suas pálpebras pesadas. Não podia se atrasar novamente ou a Sra. Summers lhe daria uma detenção, e nesse momento a última coisa que precisava era prestar serviços à Summit School. Por ser seu último ano naquele inferno, faria de tudo para que pudesse se ver livre do lugar.
Relutante e sem vontade alguma forçou-se a levantar do aconchego de sua cama.

O cheiro de gordura invadiu suas narinas ao atravessar o corredor até o banheiro. Provavelmente sua mãe estava preparando bacon com ovos para algum de seus namorados. Valerie teve a certeza deste pensamento quando ao entrar no chuveiro, pôde ouvir as risadas excêntricas que vinham da cozinha. Aquilo definitivamente era nojento.

Aliás, sua mãe era nojenta, se é que pode-se chamar Marian Smith de mãe. Ela era o tipo de mulher que qualquer pessoa em sã consciência jamais se aproximaria. Alcoólatra, drogada, vadia... Ela jamais havia tratado Valerie como uma filha. Se não fosse pela avó, possivelmente a garota teria vivido em algum orfanato, o que talvez tivesse lhe sido melhor.

Valerie jamais conheceu o pai. Diziam que ele havia morrido quando ela nasceu. Acidente de carro ou qualquer coisa do tipo. Não importava. Estava morto. E de qualquer maneira, sua morte tinha sido muito bem-vinda, afinal era graças à pensão que recebiam que conseguiram se livrar da enorme lista de desabrigados de New York.

Não é que não sentia falta de uma presença paterna em sua vida, mas sempre fora o tipo de pessoa que simplesmente não se apegava ou amava ninguém. De fato, não amava nem a si mesma.

Não era feia, muito pelo contrário. Tinha o corpo naturalmente perfeito. Seios fartos, cintura fina, quadris largos e coxas torneadas;ou seja, o tipo de corpo que qualquer mulher sonharia em ter. Sem contar a perfeição de seu rosto. Traços finos, olhos extremamente azuis e com cílios perfeitos, tinha lisos e longos cabelos negros e lábios naturalmente rosados. Sua pele branca como leite dava o toque final para que fosse confundida com uma boneca de porcelana em tamanho real. Se quisesse, poderia ser a garota mais popular do colégio.
No entanto, Valerie usava roupas que lhe deixavam o menos atraente possível, além de sempre manter no rosto aquela expressão "se mexer, apanha!".

Após terminar o banho, vestiu-se em 5 minutos. Ajeitou a mochila gasta nas costas e sem olhar a cena obcena que ocorria na cozinha (dava para saber isso pelos gemidos agudos de sua mãe)saiu batendo a porta da entrada atrás de si.
Mal tinha se virado na direção do elevador,quando deu de cara com Mike Peterson, seu vizinho de apenas 12 anos de idade, caído no corredor. No mínimo estava chapado pra variar.
Tomou o elevador barulhento e se preparou para mais um dia fatídico.

Eram essas cenas matinais que lhe davam forças para que continuasse estudando. Precisava de estudos para arranjar um emprego decente. E precisava de um emprego decente para poder se livrar daquele pardieiro, de sua mãe alcoólatra e de tudo que vivera até seus 17 anos.
Ela sabia nunca fez e nem queria fazer parte daquele mundo no qual crescera. Na verdade, não queria fazer parte de coisa alguma.

Valerie Smith apenas sentia que a Terra simplesmente não era seu lugar.