quarta-feira, 20 de julho de 2011

CAPÍTULO 10

As coisas com a matemática não estavam bem e até mesmo Kevin que sempre parecera calmo e paciente estava começando a demonstrar um pouco sua irritação. Entretanto laços de afeição estavam sendo formados entre os dois.

- Não, Valerie! Eu já não te expliquei que a parte real tanto pode ser zero quanto pode ser qualquer outro número?
- Isso é muito complexo pra mim! - rosnou a garota apertando os dentes.
- O nome do assunto é "Números complexos" mas se você tentar ao menos entender vai ver que não é tão díficil assim!
- Mas eles são muito COMPLEXOS!!
- Não são se você se concentrar!
- É claro que tudo isso é fácil pra você! Você é o professor!

Kevin não pôde conter o riso. Pobre garota, mal sabia ela que a coisa mais díficil para ele durante essas aulas era se concentrar em algo, especialmente quando ela ficava com essa cara bravinha. Valerie assim ficava terrivelmente linda e encantadora.

- Por que você tá rindo?
- Nada não! Vamos continuar amanhã, está bem?
- Que tal se a gente não continuar nunca?
- Boa tentativa, garota.
- Vou fazer igual ao fedorento do Gordon. Ele nunca mais apareceu.
- Falando nisso, você sabe o que foi que aconteceu com ele? Também não tive mais notícias.
- Não faço a menor ideia. Deve ter se metido em alguma encrenca.- disse a garota saindo da sala e se dirigindo às escadas.
- Talvez.

Ficar a sós com Valerie era algo que ele não havia planejado, mas por outro lado, não podia deixar de agradecer Gordon por sabe-se lá porquê.
-Bem, vamos nos apressar. Já tá anoitecendo e tem uma pessoa me esperando lá no estacionamento.

Estavam no meio da escada que dava acesso ao térreo quando Valerie parou abruptamente.
- Pessoa?
Era impressão dele ou as bochechas dela haviam corado?
- Não sabia que professores de matemática tinham tempo para esse tipo de coisa.

O que ela queria dizer exatamente? E por que adotara aquela voz de désdem?

-Desculpa, não entendi.
- Nada não, deixa pra lá.- disse a garota descendo os degraus que faltavam para o corredor.

O perfume dela era algo realmente hipnotizador.

-Não sei a que se refere, mas a pessoa é apenas um amigo. - Por que diabos estava dando explicações a ela?

Valerie explodiu em risos:
- Eu bem imaginava que seria algo assim!
- Por que?
- Bem, a sra Summers era uma solteirona! Será que é o destino de todos os professores de matemática? - falou com voz dramática.

Ao ouvir essas palavras, uma vontade enorme cresceu em Kevin. Uma vontade de empurrar a menina contra a parede e mostrar a ela quem é que seria o solteirão, mas a sua consciência lhe alertou que era melhor conter seus impulsos. Tentou então moldar um sorriso mas o máximo que conseguiu obter foi algo semelhante a alguém que está com a boca torta devido a uma terrível dor de dente.

Por alguns instantes ficaram em silêncio enquanto o sorriso ia morrendo nos lábios de Valerie. Em seu estômago, Kevin sentiu como se um buraco enorme estivesse se abrindo e um tremor percorreu seu corpo, as mãos suadas apertaram os livros que segurava e ele nao pode deixar de perceber a sutil aproximação de Valerie.

De repente, um barulho de carteiras caindo veio de uma das salas no final do corredor. Com certeza era o Sr Derek, o zelador, limpando as últimas salas.

Os dois seguiram rápido e silenciosamente até a entrada principal da escola e o professor encontrou com certa dificuldade a voz que ficara presa até então e murmurou um rouco "boa noite".

Seu amigo estava do lado de fora do carro, um BMW X1 branco, com um sorriso estampado no rosto.

-Finalmente! Pensei que fosse te esperar a noite toda, Walker!
-Desculpa, Dave. Se importa se formos logo?
-Claro que não! Tenho muitas novidades para te contar especialmente sobre sua amiga Candence.- falou Dave lançando um olhar furtivo para Valerie e em seguida entrando no carro.
Uma bola se formou na garganta de Kevin ao ouvir aquele nome.
- Ela não é minha amiga.

E sem ao menos dar uma última olhada para a garota parada no topo da escada bateu a porta. Se o tivesse feito perceberia o choque, o pânico e a palidez que agora tomava conta do seu rosto.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

CAPÍTULO 9

O vômito saiu amarelo e amargo já que não comia há horas. O corpo tremia descontroladamente e a camiseta branca estava ensopada de suor. No espelho do banheiro estava refletida a figura pálida e fantasmagórica de Valerie.
O que tinha sido aquilo? Passou as mãos em suas costas mais uma vez apenas para ter certeza de que tudo tinha sido realmente fruto da sua imaginação. Não havia nada além do suor que escorria, não havia nenhum vestígio de sangue, ferimento. Nada.

Cinco minutos depois, resolveu sair do banheiro. Olhou a parede do corredor. Tudo estava como sempre foi. A porta do seu quarto estava logo à direita. Andou lentamente até ela e olhou para a cama. Apenas as roupas de cama estavam em cima dela e estavam exatamente como ela as havia deixado pela manhã.

Talvez estivesse apenas cansada demais e caiu em algum truque criado pela sua mente. Contudo, uma angústia massacrante havia se instalado em seu peito desde a estranha visão.

A garota em sua cama não era uma estranha, nem poderia ser algum espírito perdido. Ela havia visto a si própria!

Seria aquilo algum tipo de premonição?
Baboseira! Nunca acreditou nesse tipo de coisa. Premonições, horóscopo, tarô, numerologia,angeologia, tudo não passa de charlatanismo e apenas pessoas idiotas caem nesse tipo de truque.
Ela sempre fora e sempre seria cética e não seria uma estúpida ilusão que mudaria isso.

Sentindo-se um pouco melhor, abriu as cortinas para que pudesse ver a chuva cair. Adorava a chuva pois por algum motivo ela lhe acalmava. Poderia passar horas olhando as nuvens negras que pairavam sobre a cidade.
O jogo de cores dos guardas chuva nas ruas a fascinava. Observava agora uma mulher que passava com um guarda chuva enorme e vermelho. Um vermelho vivo. Vermelho sangue. A imagem de suas costas sangrando abundantemente voltou novamente aos seus olhos. Desviou o olhar. Então algo, na verdade alguém, chamou sua atenção.

Do outro lado da rua, havia um rapaz parado olhando fixamente para cima. Um sujeito esquisito que parecia não se importar com a grande quantidade de água que caia sobre o seu corpo.Será que ele não tinha percebido que aquele capuz preto o deixava assustador? Ou será que ele estava indo para alguma daquelas convenções estranhas de cosplays?

O fato era que, por pura coincidência o olhar do sujeito estava fixo na janela de Valerie. Poderia ser algum conhecido da escola. Se ao menos ele tirasse aquele capuz idiota, ela poderia reconhecer.

De repente, como se tivesse lido o pensamento dela, o sujeito abaixou o capuz e lhe deu um sorriso enviesado e vitorioso.
Valerie sentiu como se pedras de gelo estivessem descendo até seu estômago.Sentiu medo.
Aquele rosto não lhe era estranho, pelo contrário, ela sabia que o conhecia. E conhecia muito bem. Só não lembrava exatamente de onde e nem qual era o seu nome.
Desesperada fechou a cortina e correu para para verificar se a porta principal estava realmente trancada.

Sua vida estava mesmo conturbada e pertubadora. Paranóia, visões, lembranças que não sabia de onde vinham, medo, paixão por um completo estranho, tudo isso lhe dava a impressão de estar se afogando em um oceano desconhecido dentro de si mesma.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

CAPÍTULO 8

-Mãe? - chamou ao perceber o silêncio incomum no apartamento.

"Fui passar o final de semana na casa do Jeffrey" dizia o bilhete sobre a mesa de centro.

Ótimo!Realmente precisava ficar sozinha!
Afundou-se no sofá fedorento e começou a fazer mentalmente um resumo da última semana. Talvez fosse hora de procurar a Srta Mullen, a psicóloga da escola. O que diabos estava acontecendo com ela? Sentia-se observada o tempo todo. Sentia como se milhares de câmeras escondidas estivessem ao seu redor e que a qualquer momento, se por algum vacilo não ficasse atenta a esses olhos invisíveis, a escuridão poderia tomar conta de si.

Escuridão...Quantas vezes já não esteve perdida ou até mesmo confortada pela sua própria escuridão? Antes, queria permanecer nela o resto de sua miserável vida. Mas agora tinha medo.

E como se não bastasse toda a sua paranóia, ainda tinha que aguentar as aulas particulares de matemática com o imbecil do Gordon como companheiro... E o Walker...

Maldito Walker! Ele era a razão de todo o seu conflito, de toda essa confusão de sentimentos. Estar perto dele era tudo o que ela não precisava! Não precisava daquele olhar de piedade e súplica que ele lhe dava! Não precisava daquele contato tão próximo que estavam tendo nem daquela atenção especial que parecia ser dirigida somente à ela!

Estava apaixonada! Apaixonada por alguém que mal conhecia! Apaixonada por alguém tão impossível, tão proibido!

Sentiu os olhos úmidos, uma dor no peito! Não podia mais controlar! Deixou as lágrimas caírem soltas pelo seu rosto. Há quanto tempo isso não acontecia? Achou que simplesmente havia esquecido o que era chorar, e agora estava ali, sentindo-se frágil, vulnerável e terrivelmente sozinha!

A chuva fustigava as janelas do apartamento e Valerie sentiu um vento gélido percorrer sua espinha então ouviu um som estranho vindo do seu quarto.
Secou as lágrimas com o dorso da mão direita e levantando-se cuidadosamente afim de não fazer qualquer barulho caminhou até o meio do corredor que ligava a sala aos quartos.

Era uma espécie de lamúria. Mas quem poderia estar lá?

Lentamente empurrou a porta do quarto e a visão que teve lhe causou pânico.

Em sua cama havia uma garota nua sentada de costas para a porta. O cabelo preto e longo estava sobre os seus ombros e dois cortes enormes,um de cada lado, sangravam em suas costas.

Valerie tentou segurar o grito, mas ainda assim sua voz pôde ser ouvida.
A garota então virou a cabeça em sua direção e seus olhos extremamente azuis focalizaram a outra encostada na parede do corredor.

Era como se um espelho estivesse entre as duas. Os mesmos olhos. O mesmo rosto.

A garota no quarto era a própria Valerie que agora sentia o sangue quente descer em suas costas e manchar a parede.