sexta-feira, 27 de maio de 2011

CAPÍTULO 3

A caminhada até a escola não era tão longa. A vantagem era que ela não precisava acordar tão cedo como a maioria dos alunos. Além disso, chegava na escola ainda cheirando a sabonete diferentemente de muitos que fediam a suor logo no começo da manhã. Já a desvantagem era óbvia. Chegava mais cedo no seu inferno particular.

Valerie avistou a Summit School. Visualmente era como quase todas as outras escolas públicas e não possuia qualquer tipo de atrativo. Pelo contrário, as duas gárgulas que ficavam no topo das duas pilatras principais da entrada causavam repulsa a qualquer um que passasse 2 minutos as observando.

A garota respirou profundamente, fechou os olhos e começou a recitar seu mantra matinal mentalmente (xingar todos os funcionários, professores e alunos)enquanto se aproximava da entrada, que a esta hora, estava apinhada de alunos. Os jogadores de basquete e as líderes de torcida ocupavam a parte superior da escada principal e como sempre zombavam de todos os que passavam. Os nerds por sua vez, andavam em bandos discutindo sobre cartas de RPG e Star Wars enquanto os outros, os emos, os góticos,os esquisitões, os nada atraentes,como ela, estavam ocupados com outros assuntos.

Valerie adoraria continuar mentalizando seu mantra e desdenhando cada um que cruzasse seu caminho mas foi interrompida por uma voz estridente que lhe furou os tímpanos.

- Já tá sabendo?

Não precisava nem virar o rosto para identificar de quem era aquela voz. Amber Miller, sua quase única amiga.
O cheiro de mofo que exalava do suéter que Amber usava desde a 5ª série sempre anunciava sua chegada. Será que alguma vez ela já experimentara jogar aquilo dentro de uma lavadora? Sem falar do bafo, que estava longe de ser agradável. Talvez fosse culpa daquele aparelho móvel horroroso ou simplesmente falta de higiene bucal mesmo. Sua voz estridente causava tanto impacto quanto seus cabelos curtos metamórficos. Nesta semana Amber resolveu adotar a cor verde. Mal sabia ela que aquele cabelo se assemelhava perfeitamente àquela grama bem cuidada que os ricos costumavam cultivar nos jardins em frente às suas casas.

- Se já estou sabendo do quê?
Amber arregalou os olhos castanhos (que normalmente já eram esbugalhados) e exclamou com ar incrédulo:

- Nossa! Como você é desinformada!
- Sim, sou mesmo,obrigada! E se você vai ficar fazendo esse mistério todo pra contar sei lá o que, eu vou dar o fora!
Valerie subiu os degraus, passou pelo grupinho nauseante das líderes de torcida e já estava quase atravessando o portão principal quando Amber gritou:

- A Sra. Smith caiu fora!
Valerie virou-se abruptamente:
- Como é? A Sra Summers? Como assim? O que houve?
- Ah, aí você já está querendo saber o que nem eu sei! Só ouvi de fontes seguras - ela frisou bem essas duas últimas palavras- que ela saiu.

Enquanto avançavam pelos corredores até os armários, Valerie percebeu que muitos se afastavam de Amber e olhavam seu cabelo como se a cor dele fosse um insulto.

- Ótimo! Será que agora teremos aula com o Sr. Connor?
- Qual é! O Sr. Connor mal consegue se apoiar em pé!
- Isso é...
- Bem, eu espero que seja um professor. Um professor super gato e gostoso!- Amber falou com os olhos cintilantes- E que nos deixe colar!- Acrescentou.
- Amber, acorda! Você já ouviu alguém falar que teve um professor gostoso de matemática?
- Ah, sei lá! Sonhar não é proibido, né?

Valerie revirou os olhos, mas internamente sonhava em não ter uma outra professora como a Sra Summers. Aquela vaca velha, gorda, megera e mal-comida. Aquela mulher era terrível...

De repente, enquanto ainda estava absorta em seus pensamentos sobre a Sra Smith, ouviu um audível e pausado "Oh,meu Deus" pronunciado por Amber. Então olhou para o homem que estava arrumando alguns papéis em cima da mesa.Ele era...perfeito! O professor virou-se e as olhos também.

Por uma fração de segundo os olhos negros dele encontraram os de Valerie. Aquela escuridão lhe causou náuseas.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

CAPÍTULO 2

Estava preocupado. Não, aquilo não era preocupação. Era medo. Muito medo.
Jamais havia ministrado aulas em uma escola. O mais próximo que chegou a isso foi na época da faculdade, quando ajudava 3 ou 4 colegas no grupo de estudos.
Como reagiria quando aquela multidão de rostos ansiosos estivessem o encarando, esperando qualquer indício de nervosismo ou de falta de conhecimento?
Como se portaria quando algum, ou alguns...ou vários alunos lhe fizessem alguma piada ou lhe dirigissem alguma ofensa?
Não! Aquilo nunca daria certo! Iria perder o controle da situação! Arruinaria sua carreira! Sua tão sonhada e jovem carreira! Não estava pronto!

Kevin Walker olhava seu rosto pálido refletido no espelho do banheiro. Aqueles olhos negros como a noite o encaravam de volta. Um filete de sangue escorria da parte inferior de seu queixo onde segundos antes passara o barbeador barato e gasto. O cabelo castanho estava desgrenhado e formava um redemoinho como se representasse o turbilhão de pensamentos que o aflingia.
Os músculos bem definidos estavam tensos e suas mãos molhadas tremiam.

O alarme do rádio-relógio soou. Eram 8 horas da manhã. Ainda! Estava acordado desde às 6:30! Já havia levado Ben para passear, havia comido seu cereal fora da validade e murcho no café da manhã, havia passado horas (ou lhe pareceram isso pelo menos) debaixo do chuveiro e estava terminando de se barbear. Como ainda poderia ser 8 horas da manhã?!

Pressionou o papel higiênico em cima do corte e arrastou-se para o quarto.
* "This is the end.Beautiful friend.This is the end.My only friend, the end".

Realmente essa era uma música perfeita para começar um dia como o que estava começando! Kevin anotou mentalmente " Mudar de estação de rádio hoje à noite."

Vestiu a única calça social que localizou no guarda-roupa (não lembrava nem se tinha alguma outra), abotoou a blusa xadrez que ganhara de sua mãe no seu último aniversário e calçou seus mocassins. Deu uma única olhada no espelho na porta do guarda-roupa.
Realmente parecia um professor de matemática!
Aquela visão lhe deu algum ânimo.

Já estava quase na porta quando avistou em cima da mesa de canto um livro. Um livro volumoso com capa preta o qual nunca mais lera desde que saiu da casa de seus pais. Não era do seu feitio recorrer a bíblia, mas essa era uma situação emergencial.
Abriu o livro dos salmos.

Alguns poucos minutos depois chegou a uma conclusão. Era por isso que não lia mais esse tipo de coisa. Não tinha tempo e nem gostava de fazer interpretações. Odiava essa linguagem rebuscada e cheia de metáforas.

Respirou fundo, deixou a bíblia no sofá e saiu.

Ao fechar a porta pôde ouvir sons de papéis sendo rasgados enquanto Ben dava um último latido.



* The doors - The end

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CAPÍTULO 1

Eram 8 horas da manhã e o despertador tocava desesperado.

Valerie lutava contra suas pálpebras pesadas. Não podia se atrasar novamente ou a Sra. Summers lhe daria uma detenção, e nesse momento a última coisa que precisava era prestar serviços à Summit School. Por ser seu último ano naquele inferno, faria de tudo para que pudesse se ver livre do lugar.
Relutante e sem vontade alguma forçou-se a levantar do aconchego de sua cama.

O cheiro de gordura invadiu suas narinas ao atravessar o corredor até o banheiro. Provavelmente sua mãe estava preparando bacon com ovos para algum de seus namorados. Valerie teve a certeza deste pensamento quando ao entrar no chuveiro, pôde ouvir as risadas excêntricas que vinham da cozinha. Aquilo definitivamente era nojento.

Aliás, sua mãe era nojenta, se é que pode-se chamar Marian Smith de mãe. Ela era o tipo de mulher que qualquer pessoa em sã consciência jamais se aproximaria. Alcoólatra, drogada, vadia... Ela jamais havia tratado Valerie como uma filha. Se não fosse pela avó, possivelmente a garota teria vivido em algum orfanato, o que talvez tivesse lhe sido melhor.

Valerie jamais conheceu o pai. Diziam que ele havia morrido quando ela nasceu. Acidente de carro ou qualquer coisa do tipo. Não importava. Estava morto. E de qualquer maneira, sua morte tinha sido muito bem-vinda, afinal era graças à pensão que recebiam que conseguiram se livrar da enorme lista de desabrigados de New York.

Não é que não sentia falta de uma presença paterna em sua vida, mas sempre fora o tipo de pessoa que simplesmente não se apegava ou amava ninguém. De fato, não amava nem a si mesma.

Não era feia, muito pelo contrário. Tinha o corpo naturalmente perfeito. Seios fartos, cintura fina, quadris largos e coxas torneadas;ou seja, o tipo de corpo que qualquer mulher sonharia em ter. Sem contar a perfeição de seu rosto. Traços finos, olhos extremamente azuis e com cílios perfeitos, tinha lisos e longos cabelos negros e lábios naturalmente rosados. Sua pele branca como leite dava o toque final para que fosse confundida com uma boneca de porcelana em tamanho real. Se quisesse, poderia ser a garota mais popular do colégio.
No entanto, Valerie usava roupas que lhe deixavam o menos atraente possível, além de sempre manter no rosto aquela expressão "se mexer, apanha!".

Após terminar o banho, vestiu-se em 5 minutos. Ajeitou a mochila gasta nas costas e sem olhar a cena obcena que ocorria na cozinha (dava para saber isso pelos gemidos agudos de sua mãe)saiu batendo a porta da entrada atrás de si.
Mal tinha se virado na direção do elevador,quando deu de cara com Mike Peterson, seu vizinho de apenas 12 anos de idade, caído no corredor. No mínimo estava chapado pra variar.
Tomou o elevador barulhento e se preparou para mais um dia fatídico.

Eram essas cenas matinais que lhe davam forças para que continuasse estudando. Precisava de estudos para arranjar um emprego decente. E precisava de um emprego decente para poder se livrar daquele pardieiro, de sua mãe alcoólatra e de tudo que vivera até seus 17 anos.
Ela sabia nunca fez e nem queria fazer parte daquele mundo no qual crescera. Na verdade, não queria fazer parte de coisa alguma.

Valerie Smith apenas sentia que a Terra simplesmente não era seu lugar.