sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Capítulo 12

Noite perfeita e agradável!
Essas poucas palavras descreviam sua noite ao lado da Srta Mullen.
Nunca a esqueceria, isso era sem sombra de dúvida a mais pura verdade.
E foi justamente pensando nisso, dando tanta importância a esse sentimento, que cometeria o erro daquela noite.

Era uma sexta-feira chuvosa.
Após a aula, passou em uma mercearia e comprou os ingredientes necessários com o pouco dinheiro que havia guardado nos últimos meses. Estava se sentindo uma criança prestes a ir no seu parque favorito ou coisa do tipo.Sentia-se ansiosa. Não importava que a chuva fina estivesse fustigando em seu rosto nem importava suas roupas ensopadas. Deixara de lado todas as suas preocupações. Não pensara no sujeito esquisito nem em Kevin.
Queria uma noite em família, mesmo que sua família se resumisse à sua mãe drogada e vadia.

Chegando em casa, vestiu um shorts jeans e sua camiseta favorita do Kiss a qual escondeu atrás de um avental. De pés descalços se dirigiu à cozinha levando consigo o seu rádio com sua fita favorita, aquela que continha as melhores músicas de hard rock.

Primeiro vinha a limpeza. Jogou fora o arroz quase verde que se encontrava no forno, os restos de frango mofados na geladeira, a caixa de cereais vencida, o resto de leite azedo em uma das garrafas. Lavou a louça, limpou o fogão e tentou dar uma ajeitada no pouco mantimento que tinham no armário.

Depois abriu o livro de receita emprestado pela senhorita Mullen, ou Beth como ela gostava que a chamasse, e se debruçou na bancada afim de entender exatamente as instruções daquela receita.Quem observasse aquela cena, com certeza a acharia engraçada. Quem iria imaginar que um dia Valerie Smith se encontraria nessa situação? De avental, mexendo um panela aqui, descascando batatas acolá e cantando The Runnaways como uma louca?
Talvez seja por isso que sua mãe, ao entrar,tenha se chocado tanto com a cena, ou talvez fosse apenas efeito dos entorpecentes.

- O que diabos está acontecendo aqui? - gritava com uma voz estridente Marian Smith.

Percebendo a expressão da mãe, Valerie soube na mesma hora, que a situação não acabaria bem.

- Estava preparando o jantar. - ia dizendo em tom baixo e delisgando o rádio que estava em cima da pia.
Não podia deixar de notar o cheiro acre de álcool que exalava de sua mãe conforme esta se aproximava.

-Você é alguém tipo de retardada ou o que? - dizia a mãe mostrando toda sua indignação e apontando para a carne assada sobre a mesa. - Você acha que devemos comer isso? Você tem noção do quanto essa porcaria custa?

-Não precisa se preocupar, não foi com o seu dinheiro!

Não aguentaria ficar olhando aquela mulher asquerosa, com aquela cara vermelha e olhos de ressaca. Olhar para ela neste estado era o mesmo que olhar para uma velha decrépita desmaiada em seu próprio vômito. A náusea que tinha era a mesma, e afinal, essa era a imagem que teria de sua mãe em alguns anos,certo?

-Olhe para esta casa, sua estúpida!!- gritava alucinada apontando para todos os cantos- Olhe bem!!! Isso é uma merda! Moramos em um apartamento de merda! E devemos nos contentar com nossa vida de merda! Isso - dizia arregalando os olhos e pegando a carne espremendo-a - Isso é coisa de gente rica, coisa de gente diferente de nós!Aceite sua vida, garotinha idiota!

-CHEGA! Dane-se você e sua vida imbecil! Não é porque você escolheu ser o que você é, uma merda, que eu tenho que seguir o seu exemplo.

E sem olhar para trás, atravessou o corredor batendo a porta do quarto atrás de si. Se trancava em seu quarto, em seu mundo, em sua mente!

Valerie não conseguia controlar o uivo de dor que vinha de suas entranhas.
Todo seu sofrimento estava vindo à tona, em um turbilhão de sentimentos.
Se algum dia teve uma outra vida, devia ter sido uma pessoa muito ruim, um demônio, e agora nesta vida estava a pagar por todos seus pecados!
Chorava pois tudo que lhe restava naquela noite era chorar. E esperar que no outro dia o sol estivesse brilhando novamente.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CAPÍTULO 11

Ela permaneceu imóvel. Então, o estranho era amigo do Walker? Mas então por que diabos ele a estava espionando? Será que o professor tinha algo a ver com isso? E por que se sentia tão estranha quando aquele rapaz estava por perto? Nada fazia sentido.

Valerie olhou o relógio que agora apontava 6:30. Será que ela estava em casa àquela hora? Bem, não custava nada tentar, não é? Correu para a cabine telefônica do outro lado e discou o número que, de tanto olhar para o cartão durante a semana, já tinha decorado. Uma voz tranquila e suave a atendeu. A jovem suspirou aliviada ao ouvir a mulher dizer que não haveria problema em recebê-la em sua casa. A garota o endereço e correu para não não perder o ônibus que a levaria até a Srta Mullen.

O bairro em que a psicóloga morava divergia completamente do qual Valerie morava. A atmosfera era agradável, as crianças brincavam nas ruas inocentementes enquanto sua mães conversavam à porta de suas casas. Os jardins extremamente bem cuidados denunciavam que ali viviam pessoas com certo poder aquisitivo.

A garota avistou no final da rua, a casa amarela que a Srta Mullen descrevera. A ansiedade de Valerie em alcançá-la a fez apressar o passo.
Tocou a campainha e aguardou. Uma mulher bonita, beirando os seus 35 atendeu a porta. Era alta, tinha pele de porcelana, bonitos olhos verdes. Os longos cabelos loiros que caíam sobre seus ombros lhe davam a aparência de um anjo. Ou talvez essa fosse apenas a impressão que Valerie tinha dela.

- Pensei que fosse demorar mais, querida. - falou suavemente com um sorriso calmo no rosto.
- Desculpa pelo horário, eu...
-Não se preocupe!Entre - interrompeu-a Elizabeth Mullen.

Com passos vacilantes, Valerie entrou na casa e de imediato sentiu como se tivesse adentrando em um desses cenários de seriado da Warner. A casa da Srta Mullen era perfeitamente arrumada e bem decorada. Nada tão grandioso ou caro, mas a harmonização em que os móveis e objetos estavam dispostos davam ao ambiente uma sensação de aconchego e tranquilidade.

Um cheiro de temperos invadiu-lhe as narinas e seu estômago reclamou audivelmente.

-Quer ficar para o jantar?-sorriu solenemente a psicóloga.
Valerie corou e apressou-se a responder:
-Não, obrigada. Bem, serei o mais breve possível. - respirou e continuou- E o vi hoje novamente.
-Quem? O rapaz do capuz?
-Sim e descobri que ele e o professor Walker são amigos.
Um ar preocupado e confuso perspassou o rosto da psicóloga e Valerie sabia porquê.

Quando decidira procurar sua ajuda há mais ou menos 1 semana, estava certa de que estava realmente louca. Talvez tivesse sido justamente por esse motivo que decidiu entregar os pontos e fazer aquela consulta. No primeiro dia se sentia extremamente desconfortável com aquelas perguntas sobre sua vida. Jamais se abrira com ninguém, quanto mais com uma estranha que anotava tudo que era dito. Já a partir do segundo dia, as coisas começaram a mudar. A Srta Mullen nada lhe perguntou e sim começou a falar sobre seus próprios problemas. Falou da sua vida, de quando perdera os pais em um trágico assalto, falou do noivo que ainda estava com problemas para sair da Finlândia, contou seus medos. A partir daí, Valerie já não a via mais como uma simples psicóloga e sim como uma cúmplice. Uma cúmplice dos seus sentimentos.
Decidiu então falar sobre o tal rapaz do capuz. Elizabeth então lhe disse que talvez ele nem estivesse olhando diretamente para ela ou que aquela aparição fosse apenas outro truque da sua mente, afinal acabara de ver a si mesma toda ensaguentada! Ela acreditara nesta última teoria até então.

No entanto, naquela tarde, tudo simplesmente desmoronou. Sentiu-se perdida! Tudo era de fato real! Sentiu medo e viu esse medo tomar o olhar de Elizabeth.

- Bem, posso perguntar ao Kevin quem...
-Não!- não, ela não podia perguntar nada a ele! Não agora que tudo parecia correr bem entre os dois. Não queria que ele a visse como uma psicótica.- Acho melhor,hmm, investigarmos primeiro. Talvez ele estivesse mesmo olhando para outra pessoa, quem sabe?!- ou não, pensou.
-É..Talvez seja isso mesmo.

A Srta Mullen parecia ainda preocupada. Preocupada com um problema que nem era dela! Era por isso que Valerie não gostava de falar sobre seus problemas com os outros. Odiava que se preocupassem, ou se ocupassem com algo que devia ser solucionado unicamente por ela!
Levantou-se de sobressalto e falou:
-Acho melhor ir andando!

A expressão da Srta Mullen se desanuviou e novamente aquela expressão serena apareceu em seu rosto:
- Fique para o jantar! Estou fazendo carne assada com batatas!
- Mas Srta Mullen, eu...
- Beth. Pode me chamar de Beth! Vamos lá, estou sozinha e estou cozinhando comida para um batalhão!

Valerie pensou na proposta,lembrou que há muito não comia algo que valesse a pena e decidiu aceitar o convite.

Naquela noite, pela primeira vez em sua vida, chegaria perto de saber o que era um jantar em família.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

CAPÍTULO 10

As coisas com a matemática não estavam bem e até mesmo Kevin que sempre parecera calmo e paciente estava começando a demonstrar um pouco sua irritação. Entretanto laços de afeição estavam sendo formados entre os dois.

- Não, Valerie! Eu já não te expliquei que a parte real tanto pode ser zero quanto pode ser qualquer outro número?
- Isso é muito complexo pra mim! - rosnou a garota apertando os dentes.
- O nome do assunto é "Números complexos" mas se você tentar ao menos entender vai ver que não é tão díficil assim!
- Mas eles são muito COMPLEXOS!!
- Não são se você se concentrar!
- É claro que tudo isso é fácil pra você! Você é o professor!

Kevin não pôde conter o riso. Pobre garota, mal sabia ela que a coisa mais díficil para ele durante essas aulas era se concentrar em algo, especialmente quando ela ficava com essa cara bravinha. Valerie assim ficava terrivelmente linda e encantadora.

- Por que você tá rindo?
- Nada não! Vamos continuar amanhã, está bem?
- Que tal se a gente não continuar nunca?
- Boa tentativa, garota.
- Vou fazer igual ao fedorento do Gordon. Ele nunca mais apareceu.
- Falando nisso, você sabe o que foi que aconteceu com ele? Também não tive mais notícias.
- Não faço a menor ideia. Deve ter se metido em alguma encrenca.- disse a garota saindo da sala e se dirigindo às escadas.
- Talvez.

Ficar a sós com Valerie era algo que ele não havia planejado, mas por outro lado, não podia deixar de agradecer Gordon por sabe-se lá porquê.
-Bem, vamos nos apressar. Já tá anoitecendo e tem uma pessoa me esperando lá no estacionamento.

Estavam no meio da escada que dava acesso ao térreo quando Valerie parou abruptamente.
- Pessoa?
Era impressão dele ou as bochechas dela haviam corado?
- Não sabia que professores de matemática tinham tempo para esse tipo de coisa.

O que ela queria dizer exatamente? E por que adotara aquela voz de désdem?

-Desculpa, não entendi.
- Nada não, deixa pra lá.- disse a garota descendo os degraus que faltavam para o corredor.

O perfume dela era algo realmente hipnotizador.

-Não sei a que se refere, mas a pessoa é apenas um amigo. - Por que diabos estava dando explicações a ela?

Valerie explodiu em risos:
- Eu bem imaginava que seria algo assim!
- Por que?
- Bem, a sra Summers era uma solteirona! Será que é o destino de todos os professores de matemática? - falou com voz dramática.

Ao ouvir essas palavras, uma vontade enorme cresceu em Kevin. Uma vontade de empurrar a menina contra a parede e mostrar a ela quem é que seria o solteirão, mas a sua consciência lhe alertou que era melhor conter seus impulsos. Tentou então moldar um sorriso mas o máximo que conseguiu obter foi algo semelhante a alguém que está com a boca torta devido a uma terrível dor de dente.

Por alguns instantes ficaram em silêncio enquanto o sorriso ia morrendo nos lábios de Valerie. Em seu estômago, Kevin sentiu como se um buraco enorme estivesse se abrindo e um tremor percorreu seu corpo, as mãos suadas apertaram os livros que segurava e ele nao pode deixar de perceber a sutil aproximação de Valerie.

De repente, um barulho de carteiras caindo veio de uma das salas no final do corredor. Com certeza era o Sr Derek, o zelador, limpando as últimas salas.

Os dois seguiram rápido e silenciosamente até a entrada principal da escola e o professor encontrou com certa dificuldade a voz que ficara presa até então e murmurou um rouco "boa noite".

Seu amigo estava do lado de fora do carro, um BMW X1 branco, com um sorriso estampado no rosto.

-Finalmente! Pensei que fosse te esperar a noite toda, Walker!
-Desculpa, Dave. Se importa se formos logo?
-Claro que não! Tenho muitas novidades para te contar especialmente sobre sua amiga Candence.- falou Dave lançando um olhar furtivo para Valerie e em seguida entrando no carro.
Uma bola se formou na garganta de Kevin ao ouvir aquele nome.
- Ela não é minha amiga.

E sem ao menos dar uma última olhada para a garota parada no topo da escada bateu a porta. Se o tivesse feito perceberia o choque, o pânico e a palidez que agora tomava conta do seu rosto.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

CAPÍTULO 9

O vômito saiu amarelo e amargo já que não comia há horas. O corpo tremia descontroladamente e a camiseta branca estava ensopada de suor. No espelho do banheiro estava refletida a figura pálida e fantasmagórica de Valerie.
O que tinha sido aquilo? Passou as mãos em suas costas mais uma vez apenas para ter certeza de que tudo tinha sido realmente fruto da sua imaginação. Não havia nada além do suor que escorria, não havia nenhum vestígio de sangue, ferimento. Nada.

Cinco minutos depois, resolveu sair do banheiro. Olhou a parede do corredor. Tudo estava como sempre foi. A porta do seu quarto estava logo à direita. Andou lentamente até ela e olhou para a cama. Apenas as roupas de cama estavam em cima dela e estavam exatamente como ela as havia deixado pela manhã.

Talvez estivesse apenas cansada demais e caiu em algum truque criado pela sua mente. Contudo, uma angústia massacrante havia se instalado em seu peito desde a estranha visão.

A garota em sua cama não era uma estranha, nem poderia ser algum espírito perdido. Ela havia visto a si própria!

Seria aquilo algum tipo de premonição?
Baboseira! Nunca acreditou nesse tipo de coisa. Premonições, horóscopo, tarô, numerologia,angeologia, tudo não passa de charlatanismo e apenas pessoas idiotas caem nesse tipo de truque.
Ela sempre fora e sempre seria cética e não seria uma estúpida ilusão que mudaria isso.

Sentindo-se um pouco melhor, abriu as cortinas para que pudesse ver a chuva cair. Adorava a chuva pois por algum motivo ela lhe acalmava. Poderia passar horas olhando as nuvens negras que pairavam sobre a cidade.
O jogo de cores dos guardas chuva nas ruas a fascinava. Observava agora uma mulher que passava com um guarda chuva enorme e vermelho. Um vermelho vivo. Vermelho sangue. A imagem de suas costas sangrando abundantemente voltou novamente aos seus olhos. Desviou o olhar. Então algo, na verdade alguém, chamou sua atenção.

Do outro lado da rua, havia um rapaz parado olhando fixamente para cima. Um sujeito esquisito que parecia não se importar com a grande quantidade de água que caia sobre o seu corpo.Será que ele não tinha percebido que aquele capuz preto o deixava assustador? Ou será que ele estava indo para alguma daquelas convenções estranhas de cosplays?

O fato era que, por pura coincidência o olhar do sujeito estava fixo na janela de Valerie. Poderia ser algum conhecido da escola. Se ao menos ele tirasse aquele capuz idiota, ela poderia reconhecer.

De repente, como se tivesse lido o pensamento dela, o sujeito abaixou o capuz e lhe deu um sorriso enviesado e vitorioso.
Valerie sentiu como se pedras de gelo estivessem descendo até seu estômago.Sentiu medo.
Aquele rosto não lhe era estranho, pelo contrário, ela sabia que o conhecia. E conhecia muito bem. Só não lembrava exatamente de onde e nem qual era o seu nome.
Desesperada fechou a cortina e correu para para verificar se a porta principal estava realmente trancada.

Sua vida estava mesmo conturbada e pertubadora. Paranóia, visões, lembranças que não sabia de onde vinham, medo, paixão por um completo estranho, tudo isso lhe dava a impressão de estar se afogando em um oceano desconhecido dentro de si mesma.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

CAPÍTULO 8

-Mãe? - chamou ao perceber o silêncio incomum no apartamento.

"Fui passar o final de semana na casa do Jeffrey" dizia o bilhete sobre a mesa de centro.

Ótimo!Realmente precisava ficar sozinha!
Afundou-se no sofá fedorento e começou a fazer mentalmente um resumo da última semana. Talvez fosse hora de procurar a Srta Mullen, a psicóloga da escola. O que diabos estava acontecendo com ela? Sentia-se observada o tempo todo. Sentia como se milhares de câmeras escondidas estivessem ao seu redor e que a qualquer momento, se por algum vacilo não ficasse atenta a esses olhos invisíveis, a escuridão poderia tomar conta de si.

Escuridão...Quantas vezes já não esteve perdida ou até mesmo confortada pela sua própria escuridão? Antes, queria permanecer nela o resto de sua miserável vida. Mas agora tinha medo.

E como se não bastasse toda a sua paranóia, ainda tinha que aguentar as aulas particulares de matemática com o imbecil do Gordon como companheiro... E o Walker...

Maldito Walker! Ele era a razão de todo o seu conflito, de toda essa confusão de sentimentos. Estar perto dele era tudo o que ela não precisava! Não precisava daquele olhar de piedade e súplica que ele lhe dava! Não precisava daquele contato tão próximo que estavam tendo nem daquela atenção especial que parecia ser dirigida somente à ela!

Estava apaixonada! Apaixonada por alguém que mal conhecia! Apaixonada por alguém tão impossível, tão proibido!

Sentiu os olhos úmidos, uma dor no peito! Não podia mais controlar! Deixou as lágrimas caírem soltas pelo seu rosto. Há quanto tempo isso não acontecia? Achou que simplesmente havia esquecido o que era chorar, e agora estava ali, sentindo-se frágil, vulnerável e terrivelmente sozinha!

A chuva fustigava as janelas do apartamento e Valerie sentiu um vento gélido percorrer sua espinha então ouviu um som estranho vindo do seu quarto.
Secou as lágrimas com o dorso da mão direita e levantando-se cuidadosamente afim de não fazer qualquer barulho caminhou até o meio do corredor que ligava a sala aos quartos.

Era uma espécie de lamúria. Mas quem poderia estar lá?

Lentamente empurrou a porta do quarto e a visão que teve lhe causou pânico.

Em sua cama havia uma garota nua sentada de costas para a porta. O cabelo preto e longo estava sobre os seus ombros e dois cortes enormes,um de cada lado, sangravam em suas costas.

Valerie tentou segurar o grito, mas ainda assim sua voz pôde ser ouvida.
A garota então virou a cabeça em sua direção e seus olhos extremamente azuis focalizaram a outra encostada na parede do corredor.

Era como se um espelho estivesse entre as duas. Os mesmos olhos. O mesmo rosto.

A garota no quarto era a própria Valerie que agora sentia o sangue quente descer em suas costas e manchar a parede.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

CAPÍTULO 7

- O senhor fará isso, estou certa professor Walker?
- Claro que sim Sra Davidson.

A sra Davidson era a diretora. Uma mulher arrogante, estressada e que sempre andava com o nariz empinado. Muitos alunos a apelidaram maldosamente de "Cheira bosta" pois era essa a impressão que a expressão em seu rosto passava. A diretora Davidson parecia estar constantemente sentindo algum cheiro ruim principalmente quando algo a desagradava e sua narinas, que já eram enormes, se abriam ainda mais.
Kevin analisava essa figura esquisita sentada à sua frente. Os alunos realmente são criaturas fascinantes. Quem no mundo iria ter a capacidade de associar aquela mulher à Vovó da Família Addams? E o pior, eles estavam absolutamente corretos. A diretora era de fato, assustadora.

- Os alunos do último ano são, como posso dizer, lentos. Se é que o senhor me entende. Em especial Valerie Smith e Gregory Gordon. Pude observar que os alunos, por mais ignorantes que sejam, conseguiram ao final deste trimestre obter algum êxito em sua matéria - pontuava com voz de desdém passando os dedos esqueléticos na lista de notas- exceto esses dois. Entenda minha situação, nos últimos 2 anos, nossos alunos conseguiram vagas em excelentes universidades incluindo a NYU, o que nos dá algum tipo de credibilidade, não é mesmo? No entanto, não podemos esperar muito dos formandos deste ano.
- Sra Davidson, eu farei o possível para ajudá-los, prometo.
- Não! Não, não e não! Nada de promessas! E eu não quero que o senhor faça o possível. O senhor fará o impossível também! Eu quero esse tipo de gente o mais longe possível da minha escola, mas é claro, não quero estragar a reputação que conseguimos obter nos últimos anos.

Kevin segurou a língua. "Minha escola"? Até onde ele sabia, escolas públicas pertecem ao poder público!

- Estamos entendidos?
- Hã? Claro! Entendi!
- Agora se me der licença, tenho outros assuntos a tratar. Ah, e bata a porta ao sair.
- Claro! Com licença!

Assim que ouviu o click da maçaneta atrás de si, Kevin sentiu o chão desaparecer sob seus pés.
Olhou ao redor e visualizou o banheiro dos professores, o único lugar que se assemelhava a um refúgio.

3 meses! 3 meses se passaram desde que a vira pela primeira vez! E ainda assim, sua presença o perturbava. No começo sentia raiva, mas agora sentia desejo. Como poderia encarar Valerie Smith depois dos sonhos que vinha tendo? Claro que tudo não passava de fruto da sua imaginação, mas ainda assim eles pareciam tão reais. Podia sentir o corpo quente e delicado sob suas mãos. Ouvia os sussurros em seu ouvido. Podia sentir a culpa que emanava de Valerie misturada com desejo e medo.

Não havia como não se sentir abalado. A garota era perfeita em termos de estética. E como se isso não bastasse ela possuia uma espécie de magnetismo natural sobre ele. Sentia como se a conhecesse e toda vez que se olhavam ou se esbarravam sem querer pelos corredores, ele sentia uma necessidade imensa de tomá-la em seus braços e simplesmente fugir!Era estranho!

Aliás seu mundo e suas concepções haviam ficado estranhos.Desde que a conhecera passou a se sentir um completo idiota por ter feito tantas piadas a respeito das crenças de sua mãe.

Será que de fato,ela estava correta? Será que existe mesmo essa coisa de vidas passadas?

sexta-feira, 17 de junho de 2011

CAPÍTULO 6

Sentiu a brisa fresca em seu rosto. Tinha cheiro de terra molhada,de água e de folhas secas. Tinha gosto de outono e carregava a paz que somente o Éden parecia ter.
Mas não demoraria hoje. Só precisava informá-lo que não mais poderiam se ver. Se "eles" soubessem que esses encontros existiam, sem dúvida iriam bani-lá. Não aguentaria viver como aqueles outros, aquela corja. Precisava por fim nisso tudo hoje!

Porém, seus pensamentos foram rapidamente esquecidos quando sentiu sua presença forte e encantadora. Podia sentir que aqueles olhos negros estavam fixos nela. Forçou sua visão e pôde ver que aquela silhueta alta e atlética que vinha em sua direção subitamente parou.
Sentiu desejo.
Não que soubesse o real significado dessa palavra, mas sabia que algo dentro de si gritava, se contorcia.

Precisava sair dali urgentemente antes que fosse tarde demais. Tarde demais para ambos. Mas simplesmente não conseguia se mover. Estava paralisada por causa daquela estranha sensação.

O rapaz aproximou-se um pouco mais e, embora permanecesse ainda sob as sombras dos pinheiros ela sabia que ele encarava a nudez de seu corpo.
Virou-se sentindo constrangida e tentou cobrir com os braços o máximo que pôde de seu corpo. Estava a ponto de chorar quando sentiu aquelas mãos mornas a acalentarem.

"Não se preocupe! Não farei nada que não queira!"

Nada que não queira. Será que realmente não queria nada?

Fechou os olhos e se deixou afundar nos braços e no abraço do rapaz.
Não podia negar. Estava claro que queria sentir seu corpo no dela.

Sentiu os lábios macios beijarem seu pescoço, depois sua nuca e finalmente sua orelha.

"Eu te amo, meu anjo!"- sussurrou naquela voz grave e suave.

Ela congelou. Amor? Não! Isso jamais poderia ser possível! Viera até aqui justamente para dizer que nunca mais se veriam! Não podia deixar que aquilo continuasse.
Cuidadosamente retirou as mãos que agora seguravam sua cintura e atrevou-se finalmente a olhar aquele rosto...

Aquele rosto...Aqueles olhos negros...Aquele sorriso...

Valerie acordou assustada! A testa estava molhada de suor. Tremia...

- Já estava indo te acordar, mocinha. Já estamos fechando.- disse a bibliotecária retirando os livros que estavam na mesa ao lado.
- Me..me desculpa...eu...
-Tudo bem! Raramente vejo alguém que consiga sair daqui sem antes tirar uma sonequinha. - a moça falou sorrindo de forma doce.
- Eu te ajudo! É o mínimo que posso fazer.

Forçando a se levantar, Valerie pegou os livros de sua mesa e os levou até as estantes de onde sairam. Voltou até a mesa, pegou a mochila e observou pela janela a noite que caia lentamente.

Que tipo de sonho maluco tinha sido aquele? Onde era aquele lugar bonito? Parecia ser algum lugar na Europa.
Quem eram "eles"?
Por que estava...nua?

E o pior, o que diabos Kevin Walker fazia no seu sonho?